Um dia de chuva e uma birosquinha madrilenha

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Bife de filé suíno alto, com molho dos deuses e legumes salteados na manteiga foi a surpresa servida numa cantina pequena e discreta, em Madri.

Texto e fotografia: Rimene Amaral

Acordamos ainda cedo, mas chovia lá fora. Madri estava com cara daqueles dias que, em Goiás, olhamos e dizemos: “Invernou!”. Nuvens pesadas e chuva leve e persistente. Sem vento. Um dia preguiçoso que, pelo que se via da janela do hotel, seria apenas para comer e beber. Então, procuramos começar o sacrifício logo antes que o sol pudesse querer estragar os planos. A sala de café da manhã estava cheia e pude perceber que havia algo mais: ao lado da bancada com café e leite havia uma champanheira que, discretamente, ostentava excelentes vinhos espanhóis. Cavas, brancos, rosés e tintos. Tomei uma taça do espumante e carreguei uma caneca de café sem açúcar que era pra acordar logo.

O café da manhã foi demorado. Muito mais demorado que o de costume. Depois do tradicional pão com queijo, ovos mexidos e café, partir para a parte etílica do desayuno. Fiquei quase duas horas na sala, até que percebi que estávamos sozinhos e tudo já começava a ser preparado para o serviço do almoço. Desconfiei! Mas ainda tive tempo de calibrar bem a última taça de um tinto cujo tanino posso sentir até hoje. Quando saímos, a chuva tinha dado um descanso. Calibrado, fomos bater perna e procurar um cantinho aconchegante para continuarmos nossa orgia enológica e já ficar para o almoço, que seria um pouco mais tarde.

Pensamos em chegar ao El Botín, o restaurante mais antigo do mundo, para um prato que é o carro-cheque da casa, o famoso cochinilho, ou o tradicional leitão mamão assado. O problema era o horário e o tempo chuvoso. Deixamos o Botín para outro dia e resolvemos procurar uma refeição mais simples e um bom vinho para continuar a diversão. Encontramos uma birosquinha próxima ao Museu do Prado com cara do século 12 e resolvemos entrar. Para nossa surpresa, o cardápio era bem servido e também tinha porco, além de uma paella que cheirava vida! Mas como já estávamos no tinto, me decidi pelo porco. E não me arrependi. A Espanha sempre surpreende.

O que faz o sabor de uma comida é o tempero, claro, e, por isso mesmo, a simplicidade muitas vezes ajuda a demonstrar o poder do tempero e dos ingredientes. O prato era simples: filé suíno com molho da casa e legumes salteados. Ah! O molho da casa! Era uma espécie de barbecue, só que mais adocicado, com limão siciliano e cebola roxa defumada e caramelizada. Apesar de já ter tomado uma quantidade boa de vinho, fui capaz de entender o que era aquele sabor, quando perguntei ao garçom que, na simplicidade, citou todos os ingredientes enquanto eu anotava, dizendo que era muito comum.

Primeiro o molho:
2 cebolas roxas cortadas em rodelas (pode-se defumá-las antes, mas o sabor também fica muito bom com um pouco de páprica defumada
1 colher de manteiga
2 colheres de azeite
2 colheres de açúcar mascavo
2 colheres de molho shoyu
1 colher de molho inglês
1 colher de tomilho fresco (só as folhinhas)
1 folha de louro
2 dentes de cravo-da-índia
1 colher pequena de raspas de laranja
1 pimenta dedo de moça com semente picada (se não gostar do ardor, tire as sementes)
Sal

Como faz:
Coloque a manteiga na frigideira com o louro e o cravo e vá mexendo até que ela fique dourada. Acrescente o azeite. Adicione as cebolas picadas e refogue até ficarem murchas. Depois, coloque o açúcar mascavo, o shoyu, o molho inglês e a pimenta e deixe o açúcar derreter e incorporar à cebola. Por fim acrescente o tomilho e as raspas de laranja. Deixe ferver por uns 3 minutos. Apague o fogo e deixe tampado. Quando esfriar, bata com um mixer para formar o molho.

A carne:
1 bife alto de lombo suíno temperado com sal e pimenta do reino moída na hora. Pronto, agora é só selar na frigideira com 1 colher de manteiga e 1 de azeite, 1 ramo de alecrim e 3 dentes de alho esmagados. Deixe-o na frigideira até esteja no ponto.

Os legumes salteados:
Aproveite o fundo da carne que ficou na frigideira e coloque as batatas picadas em cubos grandes (já ferventadas com sal) e deixe-as dourar. Se precisar, coloque um pouco mais de azeite. Reserve e faço o mesmo com as vagens cruas.

Monte o prato:
A carne, o molho por cima, os legumes ao lado e cebola roxa cortada em rodelas finas, pimenta dedo de moça picadinha e salsinha para finalizar.

Para acompanhar, sugiro um Tempranillo, com acidez equilibrada, teor alcoólico médio ou alto e com taninos levemente marcantes.

Sobremesa:
A sobremesa era um bolo levíssimo de amêndoas com uma calda feita de com água de flor de laranjeira. Essa receita eu fico devendo, mas a foto pode mostrar um pouco do que foi a surpresa.

Bolo de amêndoas

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