Com sua especialização em neuroarquitetura e uma paixão pela biofilia, a autora do Banheiro Raiz traz um olhar sensível para o projeto. Além disso, ela é formada em design de interiores, o que amplia sua compreensão do espaço. Dessa forma, ela compõe o ambiente por meio de elementos e significados que levam os visitantes à reflexão.
Há muito tempo o banheiro deixou de ser um ambiente projetado para atender apenas as questões funcionais. Com o movimento da vida, que reflete o comportamento e aquilo que nós, seres humanos, precisamos, o espaço passou a integrar, cada vez mais, o sentido do bem-estar que é retratado em diferentes aspectos.
“Todos estamos envoltos no ritmo acelerado do mundo contemporâneo, sem olhar para dentro de nós. Precisamos resgatar nossa essência que se dissolve em um cotidiano que não nos conduz a reflexão espontânea”, revela a arquiteta Janaína Casagrande que assina o Banheiro Raiz na 38ª edição da CASACOR São Paulo, evento que acontecerá, pela primeira vez, no Parque da Água Branca.
Na visão da profissional, que participa pela segunda vez da maior mostra de decoração das Américas, o banheiro se destaca pela grandeza e profundidade que entrega aos visitantes. Por isso, definitivamente, não é um local comum, seja em uma residência ou em área comercial.
“Vejo no ambiente toda sua potencialidade para desacelerar, respirar e nos permitir recordar aquilo que realmente importa. Gosto do paradoxo da frase ‘apressa-te devagar’, atribuída a Aristóteles, que nos convoca a não vivermos com o ritmo da pressa, como somos induzidos sempre”, filosofa.
Inspirada em um dos maiores clássicos da literatura internacional — O Pequeno Príncipe, do escritor francês Antoine de Saint-Exupéry —, Janaina poetizou na arquitetura do Banheiro Raiz o cuidado dedicado ao espaço. Além disso, ela traduziu na composição o zelo do solitário morador do planeta B-612, que nutriu com afeto o ambiente ao seu redor. A relação de respeito e harmonia dentro do asteroide fictício inspira leitores de todas as idades. Por consequência, torna-se um exemplo claro da responsabilidade que precisamos restabelecer com o nosso planeta Terra.
“A jornada de amor e comprometimento do nosso menino príncipe com o seu habitat é notada nos pequenos gestos, como na sua extração contínua dos baobás, que ao crescerem poderiam destruir o espaço que se configurava como seu lar, o zelo para que os vulcões não entrassem em erupção e sua devoção que dispensava a sua única rosa são condutas que devemos transpor para o hoje. É urgente pensar sobre a convivência que dedicamos à Terra”, reflete a arquiteta.
Motivada pelo mesmo ideal que Exupéry manifestou por meio de suas palavras, Janaína fez da arquitetura sua linguagem sensível. Dessa forma, encontrou um caminho para comunicar suas meditações sobre o tema da CASACOR São Paulo deste ano: Semear Sonhos. Ao receber o público que percorre os ambientes da mostra, o Banheiro Raiz se abre não apenas para cumprir sua funcionalidade. Além disso, revela o desejo da arquiteta de mostrar que é imprescindível conjugar corretamente o verbo viver.
“É preciso que tenhamos pequenas pausas para podermos entender aquilo que, na correria dos pensamentos e compromissos, não está tão evidente aos nossos olhos”, contextualiza.
Para a arquiteta, entre tantas rupturas que o ser humano realiza, mesmo sem perceber, está a relação com a natureza. Tal qual um ambiente de encontro, que combina texturas e simbologias sutis por meio da paleta de cores, materiais e formas, além da iluminação acolhedora, a experiência envolve o visitante. Assim, essa vivência o leva a repensar seu vínculo com o mundo e com os outros.
Uma nova sintonia com o natural
Nos 25 m² do Banheiro Raiz, ao adentrar, o aconchego da madeira envolve o ambiente com o MDF Freijó Trend, da Arauco, que reveste as quatro cabines, vigas e pilares existentes na estrutura do edifício histórico e no rebaixo do forro que se delineou como um pórtico e resultou nas alturas de pé-direito.
“Sem dúvidas, a madeira é um dos elementos mais perenes na história da arquitetura é uma das formas mais realistas de ressaltar a percepção de sermos bem acolhidos nos espaços”, expõe Janaína que exalta a presença do Freijó, com sua tonalidade castanho-claro e os veios bem-marcados, que delineia e aquece o banheiro.
“A evolução tecnológica da indústria, que nos entrega um material que reproduz genuinamente as características do material natural, contribui com a alta qualidade aliada à sustentabilidade”, analisa.
Desde a chegada, percebe-se claramente a bancada com duas cubas de apoio (Deca), que Janaina executou em lâmina sinterizada do mármore com acabamento que remete fielmente à estética do Taj Mahal. Além disso, Janaina escolheu esse quartzito nobre e exuberante, extraído exclusivamente no Ceará, para estabelecer uma ligação sensorial com outro espaço de contemplação: as praias. Com 2,75 m de largura e fixada por grapas, a peça apresenta tonalidades branca e bege que se mesclam aos veios sutis do material. Ademais, a arquiteta introduziu mais um significado à bancada: destacar que as imperfeições — reveladas pelo corte irregular da barra — dizem respeito tanto ao que observamos na natureza quanto ao que carregamos dentro de nós.
“É justamente essa beleza que admiramos quando estamos diante da singularidade de tudo que compõe nosso planeta e na individualidade de cada pessoa”, reflete Janaína.
Porém, ao se deixar envolver pelas sensações de bem-estar, liberdade e infinitude que a areia evoca nas praias, a bancada revela mais do que beleza. Nesse contexto, ela expõe um problema e, ao mesmo tempo, oferece uma resposta que a própria natureza insiste em nos mostrar diariamente: sua força e resiliência em manter viva a existência. Com duas aberturas laterais que se destacam como fissuras abertas na superfície da bancada, o espaço ganha um toque orgânico e simbólico. Por essas frestas, dois vasos com a planta tropical Ficus Lyrata emergem para ornamentar o ambiente e, além disso, reafirmar que, mesmo diante das adversidades, o mundo continua a resistir.
“Esse é um dos ensinamentos mais ricos que a vida insiste em sinalizar. Embora o planeta tenha essa força de renascer, não podemos que o processo aconteça de forma apenas por ela. Há de se contar com a união dos humanos para que o natural possa ressurgir, encantar com suas cores e provar que, embora com marcas, ela insiste em permanecer”, declara. E se há existência, há a luz e essa clareza se faz presente com a iluminação trazida com a fixação do LED no interior da bancada.
Um ambiente de refúgio
O observar e perceber são mais bem assimilados quando a arquitetura oferece a estrutura física que favorece o processo individual de cada pessoa. Por isso, a profissional realizou a instalação de um banco, com 50 cm de altura, também produzido com a pedra Taj Mahal e o efeito dos cortes irregulares em sua barra, para propiciar descanso e convivência entre os visitantes.
“O banheiro tem essa característica de tanto entregar momentos de individualidade, como o potencial de um ambiente de estar”, expressa Janaina.
A graciosidade e a presença do Pequeno Príncipe
Nas quatro cabines unissex — que incluem uma unidade PCD e outra voltada à amamentação —, a arquiteta optou pela cor Panela de Barro, da Coral. Essa tonalidade, por sua vez, faz alusão à terra fértil, lugar de onde brotam as sementes e se originam todas as espécies. O Pequeno Príncipe, que para muitos leitores chegou na infância e os acompanha até a vida adulta, também está presente no espaço. Nesse sentido, seu contorno e a rosa tão amada surgem aplicados nas portas, como símbolos da ternura e da memória afetiva.
No interior de cada cabine, movida por seu apreço pela arte e pelas palavras, Janaína selecionou frases clássicas que tocam profundamente seu coração. A primeira delas, inclusive, é uma das mais icônicas: “Só se vê bem com o coração.” Em seguida, outras frases completam a narrativa poética: “O essencial é invisível aos olhos”; “Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que a fez tão importante.” Além disso, surgem as máximas: “Tu te tornas responsável por aquilo que cativas” e “As pessoas grandes nunca entendem nada sozinhas.” Como especialista em neuroarquitetura, Janaína utiliza essas citações como estímulos emocionais cuidadosamente pensados. Assim, reforça sua abordagem de criar ambientes que influenciem positivamente as pessoas em seus aspectos mentais e físicos, provocando sensações que lhes façam bem.
Mãe de dois filhos, a arquiteta pensou com carinho na criação de uma atmosfera propícia na cabine de amamentação. Com isso, buscou oferecer mais comodidade ao vínculo saudável e afetivo que se estabelece no momento de alimentar o bebê. Além da poltrona com apoio para os pés e do trocador apoiado na bancada suspensa, o ambiente foi pensado em cada detalhe. Por isso, a iluminação indireta e amarela — instalada com fitas de LED — torna o momento materno ainda mais acolhedor e íntimo. Aliás, o projeto luminotécnico, assinado pela light designer Tuane Lopez, apostou no detalhismo técnico e sensorial. Dessa forma, a escolha da luz adequada contribui diretamente para o bem-estar do bebê em todo o ambiente.





Fotos: Maura Mello